quinta-feira, 26 de novembro de 2015


Racismo
 Porque é tão difícil entendermos que somos iguais?

Josiany Dórea
Rasgue a exclusão
Rasgue a discriminação
Rasgue o racismo
Rasgue o preconceito
Temos o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza
Temos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza
Heduardo Kiesse

Vejamos um texto reflexivo que nos remete sentimentos de revolta e indignação por ainda estarmos caminhando em passos lentos, porém, largos. Contudo, sabemos que é possível mudar a partir de uma consciência coletiva com atitudes nobres e educativas para as novas gerações. Vamos acreditar!!!
Esse é meu Grove!”, disse Deise Sousa, percussionista, às vezes poeta, feminista negra militante, assistente social, técnica do projeto Ponto de Cidadania e mestranda no Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo (PPGNEIM) da Universidade Federal da Bahia.
                                  LIBERDADE É LUTAR
Imagem: Zumbi 
- Obra da artista plástica brasileira 
Zulmira Gomes
Falar do dia 20 de novembro, enquanto mulher negra, feminista e militante, é mais um dia de reflexão, é mais um dia para demarcamos os nossos passos na direção do construto de luta contra a discriminação racial nas relações sociais que implicam nas assimetrias de gênero em busca da minha/nossa liberdade. Movida por um sentimento de justiça e indignação, meu lugar de fala é como militante e assistente social que atua na garantia dos Direitos Humanos para População em Situação de Rua.
Nessas circunstâncias, por “sermos diferentes”, que a minha memória insiste em ver as lágrimas vermelhas derramando sobre a pele escura. É um sentimento que reverbera dor, toda vez que puxo a respiração e sinto que sou atravessada pelo racismo, contaminado de machismo, misoginia e sexismo. Esse conjunto de opressões impulsionou as mulheres de minha família e outras mulheres negras a ocuparem espaços de subalternidade.
O racismo, acompanhado do estado heteropatriacal, indissociável de suas faces perversas, opera com ações simbólicas e materiais carregadas com as intersecções que objetivamente alimentam as matizes opressoras com efeito devastador em nossas vidas. No pensamento de Audre Lorde, ela enfatiza que “É aprender a tomar nossas diferenças e torná-las forças, pois as ferramentas do senhor nunca vão desmantelar a casa-grande”.
A chaga aberta do racismo, se arvora em proferir ideologia de uma sociedade racista e fascista que constrói de maneira estratégica a perpetuação e reprodução do mito da igualdade racial. Assim, quando olho para dentro de mim e para meus pares, vejo homens e mulheres cotidianamente na labuta da sobrevivência. Decerto, corroboro com Jurema Werneck, que afirma: “NOSSOS PASSOS VÊM DE LONGE”. 
Portanto, ainda que o capitalismo patriarcal queira nos conduzir à margem da sociedade, nós resistimos; em especial, nós, mulheres negras, que quebramos paradigmas. Aqui, trago um exemplo de minha vida que certamente converge com outras histórias, em que apenas a terceira geração de mulheres de minha família conseguiu adentrar nas universidades. Ainda que, “nesse lugar” de luta, não estejamos livres de experimentar o sabor amargo do racismo, bem como não nos furtamos em esquecer a cena que revisita a minha/nossa memória por me ver e me identificar com a tragédia vivenciada por Cláudia Silva Ferreira, arrastada por uma viatura da Polícia Militar do Rio de Janeiro até a morte, ali é o meu sexo, meus lábios grossos, é o meu cabelo crespo, minhas idades, é naquele corpo que sustenta a minha classe, minha raça, minha história.
Precisamos resistir e criar estratégias de superação e combate ao racismo para que nossas crianças negras, oriundas da periferia, não experimentem vivências vexatórias como eu experimentei na minha infância, como mostra a letra da música “Nega do cabelo duro”, exemplos que tendem a produzir e reproduzir modelos na contramão da construção da autoestima, do protagonismo e do empoderamento delas.
            Resistimos, mesmo quando os nossos jovens são violentados pelo braço armado do Estado, justificando a sua ação racista na política de combate às drogas balizando um terreno fértil para ceifar a vida de nossa juventude negra e pobre. O saudoso Gey Espinheira pontuava essa ação como “negrocídio”.
Na semana do dia 20 de novembro, a tristeza toma meu peito com a perda de mais um guerreiro que o sistema projetou para as práticas transgressoras, homem negro, de uma sensibilidade e inteligência destacada, mas a sociedade excludente lhe deu régua e compasso, pois não basta ser pobre, faz-se necessário criminalizar a pobreza. Foi uma morte individual e concomitante coletiva, pois ramifica para outros espaços que simbolicamente afetam a saúde mental comunitária e, em especial, a familiar.
É mais uma mãe negra que chora pela perda de seu filho, é mais um filho que cresce sem a presença afetiva de um pai, é mais uma mulher negra sozinha que irá trabalhar potencialmente mais para prover a subsistência de sua família.
Com toda conjuntura negativa do contexto histórico do racismo ainda perpetrado no Brasil, nós resistimos engajadas/os com a luta do movimento negro, que culminou em diversas ações de políticas afirmativas, criação de leis e secretárias nas três esferas governamentais, atualmente avançamos com a ONU, proclamando a década internacional afrodescendente, que institui de 1º de janeiro de 2015 a 31 de dezembro de 2024 o tema: “Reconhecimento, Justiça e Desenvolvimento”, objetivando promover o respeito, a proteção e a garantia de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais dos afrodescendentes".
A Bahia foi o primeiro estado a aderir à proposta da SEPPIR. Assim, é importante celebrar as conquistas, mas não esqueçamos de apontar os desafios em reparar séculos de exclusão, opressão e exploração, contudo, estamos avançando com incansáveis passos largos para superação da desigualdade racial, intolerância religiosa e xenofobia que acomete a nossa população negra. 
Há um paradoxo nessa caminhada, estejamos atentos e atentas às máscaras da conjuntura política, econômica e neoliberal do Estado, porque ele tem cor e é macho. 
Precisamos combater o patriarcado e seus privilégios que usufruem de instrumentos materiais e ideológicos para manter-se no “berço esplêndido”. Será que nesse lugar não cabem as nossas diferenças ou alguma coisa está dentro da ordem para permanecer as desigualdades? Assim, sigamos com a Nação Zumbi: “Um homem/mulher roubado/a nunca se engana”.
As nossas lentes de gênero, classe e raça precisam estar afiadas, pois é lutando que mandamos o racismo embora. Que sejamos as mãos, os pés, os pensamentos e a voz para efetivar a justiça e igualdade de direitos. Que a nossa história esteja firme e segura em nossas mãos. Finalizo este ensaio com o pensamento negro de Nina Simone: “Liberdade para mim é isto: Não ter medo”.