terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Insight Filosófico: A Escola e a Família comoalicerce para reduzir a V...

Insight Filosófico: A Escola e a Família como  alicerce para reduzir a V...: A Escola e a Família como alicerce para reduzir a Violência Josiany Dórea O tema é muito complexo e não traz soluções imediatas e mág...
A Escola e a Família como alicerce para reduzir a Violência

Josiany Dórea
O tema é muito complexo e não traz soluções imediatas e mágicas. A Escola é uma instituição que poderá contribuir muito para a formação da cidadania. Um espaço que amplia novos caminhos, possibilidades e desafios. Por sua vez, a família é uma instituição base na formação do ser. E imaginemos no poder que possuímos com as duas instituições unidas com um propósito primordial e desafiante: construir seres humanos cada vez mais comprometidos com a ética e cidadania.
            


Vejamos uma entrevista muito interessante da revista Páginas Abertas, da editora Paulus, com a Dra. Edith Rubinstein. Ela é formada em pedagogia, psicopedagogia e mestre em Psicologia da Educação. Também é especialista em Mediação Educacional formadora de PEI pelo ICELP de Jerusalém, terapeuta família, coordenadora e docente do Centro de Estudos Seminários de Psicopedagogia e ex-presidente e membro do conselho nato da Associação Brasileira de Psicopedagogia.






Revista Páginas Abertas: Pela sua experiência, é possível dizer onde nasce a violência? Em casa, na família, na escola?
Dra. Edith Rubinstein: Entendo a violência humana como efeito de uma construção complexa. O ser humano não é por natureza violento, ele se constitui na relação com o outro, portanto é possível pensar numa construção social. A constituição do ser humano é complexa e os diferentes contextos por onde se dá a convivência contribuem ou não para um equilíbrio emocional saudável.

PA: Em sua visão quais são impactos que a violência pode causar no ambiente escolar?

ER: Infelizmente a violência pode estar presente no ambiente escolar, mas ser proveniente não somente do contexto escolar. Crianças vítimas de violência em outros contextos aprendem formas violentas de responder às diferentes situações, diferentes contextos. Dificuldade para aceitação de normas e regras, dificuldades para suportar a frustração diante do não aprender poderão produzir respostas entendidas como agressivas ou violentas. Portanto, nem sempre respostas violentas são efeito de experiências violentas; a violência poderá aparecer como um sintoma de outras vivências de sofrimento. Embora a escola tenha como função a formação acadêmica, sabemos que essa função não é suficiente para promover uma formação global do cidadão.

PA: Como a família e a escola podem lidar com a violência? Existem modelos de prevenção?
ER: A instituição escolar deve estar preparada para acionar dentro de seu contexto ou de sua rede o apoio profissional necessário para lidar com a violência e seus efeitos. Também a equipe multidisciplinar escolar deverá, em conjunto, construir possíveis caminhos para a dissolução das questões que atingem o contexto como um todo. Entendo que a dissolução do problema dependerá não somente do especialista, mas do envolvimento de uma rede e de uma equipe que, em conjunto, irão construir possíveis propostas que demandarão análise crítica e formulações para gerar respostas satisfatórias. Não há soluções antecipadas e certeiras. Casa situação demanda uma construção específica.

PA: Como família e escola podem contribuir para um sistema de educação saudável?
ER: Um sistema de educação formal saudável inclui o diálogo, a colaboração e a cooperação de todos os envolvidos na instituição. Constrói-se um contexto democrático quando as regras e o sistema relacional são conhecidos, construídos e aceitos pelo grupo.

PA: E a família?
ER: Na educação não formal familiar é importante que os adultos estejam mais seguros na condução da educação pelo diálogo. A contenção e colocação de regras na medida certa são fundamentais para lidar com as tensões pertencentes à cada etapa do desenvolvimento da criança e do jovem. Ninguém nasce preparado para ser pai e mãe, nem para ser filho. É no convívio social que se constroem esses lugares. Não há manuais que atendam a cada singularidade humana.

PA: Como funciona o atendimento psicológico de um professor que sofreu algum caso de violência?
ER: Toda pessoa vítima de violência demanda cuidados especiais de profissionais da área da psicologia, bem como o apoio e acolhimento da instituição como um todo.

PA: Entre alunos é comum que haja períodos de vida de maior revolta e violência? Como o professor, escola e família podem ajudar?
ER: Nem sempre a violência está relacionada com uma etapa da vida; ela pode, fundamentalmente, estar ligada a experiências violentas. Situações de abandono precoce dos adultos e internações em abrigos não promovem um desenvolvimento saudável. Há histórias de abandono de crianças que são adotadas ainda muito jovens (antes dos três anos) e devolvidas para instituição por adultos que não conseguiram dar continuidade ao projeto de adoção. Essa experiência dolorosa pode gerar violência.

PA: Quando é indicado um acompanhamento psicológico para alunos ou professores?
ER: O acompanhamento psicológico para qualquer pessoa é indicado para o alívio e a reabilitação emocional por diferentes causas que venham a proporcionar sofrimento.

PA: Qual seria o modelo escolar considerado ideal para a aprendizagem?
ER: Não acredito que haja um modelo único e ideal de escolarização. Dependerá também da escolha de cada comunidade, de seu projeto político pedagógico. Mas, de modo geral, no contexto da escola são considerados saudáveis os modelos que envolvem: promoção da autonomia de todos os envolvidos na instituição; a colaboração entre pares; ambiente que favoreça o diálogo e, com certeza, uma proposta que ofereça aprendizagem significativa, criativa e que se preocupe com a construção de pessoas críticas, respeitadoras das diferenças e ativas.

PA: Qual o papel da família e da escola nesse modelo?
ER: No contexto familiar, é importante que os valores éticos e regras de convivência sejam compartilhados como significativos para o bem-estar do grupo e de cada membro. Tenho ouvido com frequência a pergunta: “Meu filho manda em mim; e agora, o que faço? ”. Esses questionamentos expressam a falta de discriminação entre os adultos que artificialmente excluem a assimetria. Será que a criança pode tomar decisões sobre a sua condução? Ela tem experiência de vida para isso?

PA: Como o professor, a família e a escola podem ajudar a cria uma sociedade menos violenta?
 ER: A violência, tal como a guerra, ocorre quando a diplomacia e a educação falham. Adultos mais preparados emocionalmente poderão lidar com mais habilidade com os inevitáveis e inesperados desafios pertinentes a qualquer agrupamento humano. Uma sociedade menos violenta requer a construção de um contexto em que o diálogo e o respeito mútuo estejam presentes na ação de todos os envolvidos. Códigos escritos por si só não garantem a inexistência da violência.

domingo, 3 de janeiro de 2016

OLHAR, VER E PENSAR
Josiany Dórea


O artigo abaixo nos remete a uma reflexão filosófica sobre o ver e o olhar aprendendo a pensar sobre a diferença entre ambos. A filósofa Márcia Tiburi nos proporciona um novo olhar acerca do ver ... A importância de buscarmos o olhar crítico, reflexivo para as artes, e acredito, para nossa vida cotidiana, nos dará uma nova proporção para o pensar.


Vamos olhar vendo e pensando nas variadas possibilidades...







APRENDER A PENSAR É DESCOBRIR O OLHAR

Márcia Tiburi




A diferença entre ver e olhar é tanto uma distinção semântica que se torna importante em nossos sofisticados jogos de linguagem tomados da tarefa de compreender a condição humana – e, nela, especialmente as artes –, quanto um lugar comum de nossa experiência. Basta pensar um pouco e a diferença das palavras, uma diferença de significantes, pode revelar uma diferença em nossos gestos, ações e comportamentos. Nossa cultura visual é vasta e rica, entretanto, estamos submetidos a um mundo de imagens que muitas vezes não entendemos e, por isso, podemos dizer que vemos e não vemos, olhamos e não olhamos. O tema ver-olhar – antigo como a filosofia e a arte – torna- se cada vez mais fundamental no mundo das artes e estas o território por excelência de seu exercício. Mas se as artes nos ensinam a ver – olhar, é porque nos possibilitam camuflagens e ocultamentos. Só podemos ver quando aprendemos que algo não está à mostra e podemos sabê-lo. Portanto, para ver olhar, é preciso pensar.
Ver está implicado ao sentido físico da visão. Costumamos, todavia, usar a expressão olhar para afirmar uma outra complexidade do ver. Quando chamo alguém para olhar algo espero dele uma atenção estética, demorada e contemplativa, enquanto ao esperar que alguém veja algo, a expectativa se dirige à visualização, ainda que curiosa, sem que se espere dele o aspecto contemplativo. Ver é reto, olhar é sinuoso. Ver é sintético, olhar é analítico. Ver é imediato, olhar é mediado. A imediaticidade do ver torna-o um evento objetivo. Vê-se um fantasma, mas não se olha um fantasma. Vemos televisão, enquanto olhamos uma paisagem, uma pintura.

A lentidão é do olhar, a rapidez é própria ao ver. O olhar é feito de mediações próprias à temporalidade. Ele sempre se dá no tempo, mesmo que nos remeta a um além do tempo. Ver, todavia, não nos dá a medida de nenhuma temporalidade, tal o modo instantâneo com que o realizamos. Ver não nos faz pensar, ver nos choca ou nem sequer nos atinge. As mediações do olhar, por sua vez, colocam-no no registro do corpo: no olhar – ao olhar - vejo algo, mas já vitimado por tudo o que atrapalha minha atenção retirando-a da espécie sintética do ver e registrando- a num gesto analítico que me faz passear por entre estilhaços e fragmentos a compor – em algum momento – um todo. O olhar mostra que não é fácil ver e que é preciso ver, ainda que pareça impossível, pois no olhar o objeto visto aparece em seus estilhaços de ser e só com muito custo é que se recupera para ele a síntese que nos possibilita reconstruir o objeto. É como se depois de ver fosse necessário olhar, para então, novamente ver. Há, assim, uma dinâmica, um movimento - podemos dizer - um ritmo em um processo de olhar-ver. Ver e olhar se complementam, são dois movimentos do mesmo gesto que envolve sensibilidade e atenção.

O olhar diz-nos que não temos o objeto e, todavia, nos dispõe no esforço de reconstituí-lo. O olhar nos faz perder o objeto que visto parecia capturado. Para que reconstituí-lo? Para realmente capturá-lo. Mas essa captura que se dá no olhar é dialética: perder e reencontrar são os momentos tensos no jogo da visão. Há, entretanto, ainda outro motivo para buscar reconstruir o objeto do olhar: para não perder além do objeto, eu mesmo, que nasço, como sujeito, do objeto que contemplo – construo enquanto contemplo. Olhar é também uma questão de sobrevivência. Ver, por sua vez, nos liberta de saber e pode nos libertar de ser. Se o olhar precisa do pensamento e ver abdica dele, podemos dizer que o sujeito que olha existe, enquanto que o sujeito que vê, não necessariamente existe. Penso, logo existo: olho, logo existo. Eis uma formulação para nosso problema.
Mas se não existo pelo ver, não estou implicado por ele nem à vida, nem à morte. Ver nos distancia da morte, olhar nos relaciona a ela. O saber que advém do olhar é sempre uma informação sobre a morte. A morte é a imagem. A imagem é, antes, a morte. Ver não me diz nada sobre a morte, é apenas um primeiro momento. Ver é um nascimento, é primeiro. O olhar é a ruminação do ver: sua experiência alongada no tempo e no espaço e que, por isso, nos instaura em outra consistência de ser. Por isso, nossa cultura hiper visual dirige-se ao avanço das tecnologias do ver, mas não do olhar. É natural que venhamos a desenvolver uma relação de mercadoria com os objetos visualizáveis e visíveis. O olhar implica, de sua parte, o invisível do objeto: a coisa. Ele nos lança na experiência metafísica. Desarvoramos a perspectiva, perturba-nos. Por isso o evitamos. Todavia, ainda que a mediação implicada no olhar faça dele um acontecimento esparso, pois o olhar exige que se passeie na imagem e esse passear na imagem traça a correspondência ao que não é visto, é o olhar que nos devolve ao objeto – mas não nos devolve o objeto - não sem antes dar-nos sua presença angustiada.

O olhar está, em se tratando do uso filosófico do conceito, ligado à contemplação, termo que usamos para traduzir a expressão Theorein, o ato do pensamento de teor contemplativo, ou seja, o pensar que se dá no gesto primeiro da atenção às coisas até a visão das ideias tal como se vê na filosofia platônica.

Paul Valéry disse que uma obra de arte deveria nos ensinar que não vimos aquilo que vemos. Que ver é não ver. Dirá Lacan: ver é perder. Perder algo do objeto, algo do que contemplamos, por que jamais podemos contemplar o todo. O que se mostra só se mostra por que não o vemos. Neste processo está implicado o que podemos chamar o silêncio da visão: abrimo-nos à experiência do olhar no momento em que o objeto nos impede de ver. Uma obra de arte não nos deixa ver. Ela nos faz pensar. Então, olhamos para ela e vemos.



Artigo originalmente publicado pelo Jornal do Margs, edição 10 (setembro/outubro)/ www.arteescola.org.br.