Racismo, discriminação e drogas...
Josiany Dórea
Em tempos de muitos comentários e polêmicas sobre racismo, preconceitos e discriminação racial, acredito que seja
interessante ouvir outras vozes. Assim, podemos analisar e/ou discutir os problemas sociais brasileiros com um novo olhar. Será que Carl Hart está com
a razão? Vejamos...
"Brasil vive apartheid e culpam as
drogas", diz Carl Hart
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Ascom - Secretaria da Justiça do Estado / Divulgação |
Primeiro
neurocientista negro a se tornar professor titular da universidade de Columbia,
em Nova York (EUA), autor do livro Um Preço Muito Alto: A Jornada de um
neurocientista que desafia nossa visão sobre as drogas, o pesquisador
norte-americano Carl Hart.
Na segunda passagem pela capital baiana, Hart fala sobre o trabalho
que vem desenvolvendo em relação à política mundial antidrogas (na visão dele
"uma política enganadora").
1- Quais são suas
principais ideias sobre a política de drogas no mundo?
(Carl) É uma
pergunta ampla. Escrevi um livro inteiro sobre isso. As políticas de drogas são
diferentes a depender de onde se está. No Brasil, o principal problema é que as
pessoas estão sendo induzidas ao erro, enganadas, em relação às drogas na
sociedade. Dizem à população que as drogas são um problema em si, quando as
questões estão ligadas à própria estrutura social, discriminação racial,
pobreza, falta de educação, falta de inclusão em certos grupos. O que há,
essencialmente, é um apartheid. E culpam as drogas, por meio de campanhas
contra o crack, como se o crack fosse o problema. O crack apareceu no Brasil
por volta de 2005, a pobreza está desde sempre, assim como a violência e o
crime. Atribuir essas questões à existência das drogas e dos traficantes é
desonesto. Sugiro às pessoas, principalmente aquelas que estão sendo colocadas
nas cadeias ou mortas pela polícia, que se levantem e digam: "Essa
política antidrogas é besteira!".
2- A respeito da defesa do sr. da legalização
ou descriminalização das drogas nos EUA, o mesmo pode ser aplicado no Brasil?
(Carl)
Claro. Seja legalização ou descriminalização, o que quer que funcione na
sociedade seria bom. Devemos perguntar quais questões queremos resolver: Se
estamos preocupados com traficantes, teremos que pensar sobre a legalização,
pois tem a ver com o comércio. Por outro lado, traficantes não terão êxito se
houver inclusão social. Até descobrimos como sermos mais inclusivos, sempre
teremos problemas com o tráfico. Onde houver drogas e pessoas terá tráfico.
Mas, enquanto pessoas não forem incluídas, haverá economia clandestina.
3- O sr. crê que o uso de drogas passa por
um problema de saúde em vez de polícia?
(Carl)
Depende muito. Para a maioria das
pessoas que usa drogas não se trata de um problema de saúde, embora possa se
tornar. Pense, por exemplo, no uso do automóvel. Muita gente dirige de forma
imprudente e acaba tendo problemas, se envolve em acidentes, o que acaba se
tornando um problema de saúde. Mas a maioria da população usa o automóvel de
maneira segura e tal uso não se configura um problema de saúde pública.
4- Esse talvez seria um dos motivos pelos
quais as pessoas enveredam pelo tráfico?
(Carl)
As pessoas sempre perseguem as
necessidades básicas, não importa em qual sistema vivam. Elas precisam comer,
morar, precisam do mínimo de respeito. Quando não se tem isso, elas vão buscar
em outro lugar. De repente, vem alguém que oferece um 'trabalho' no tráfico ou
qualquer outra atividade, e essa pessoa simplesmente pega.
5- Temos um dilema na Bahia: a maioria dos
policiais é negra e educada para combater uma população predominantemente
negra. Qual a percepção do sr. sobre essa realidade?
(Carl)
Essa pergunta tem uns componentes notáveis. A primeira coisa é que toda pessoa,
de qualquer raça, tende a ser morta por um semelhante dela. Por todo o mundo,
não é incomum. Quando falamos de negros, achamos que seria incomum, mas não é.
Segundo, quando pensamos na polícia, é uma organização que simplesmente faz o
que a estrutura de poder quer que ela faça. E a estrutura de poder, nesse caso,
é branca. Não é como se a polícia daqui se comportasse de forma anormal. Eles
sabem a quem obedecem. É simples. Por isso que estou tentando enfatizar que é
um problema não haver lideranças negras aqui. Por que, se houvesse, realmente
poderia se traçar um panorama sobre quais são os problemas da violência, de
fato. Não é uma garantia de que teríamos um entendimento por completo, até por
que nos Estados Unidos temos lideranças negras em inúmeros locais, mas eles são
igualmente ignorantes. Eles não entendem o que está acontecendo, enquanto
outros são conscientes. Dessa maneira, o fato de haver lideranças negras não é
garantia de que tenham uma leitura do contexto. Mas, certamente, essa presença
aumenta as possibilidades de compreensão desse quadro.
6-Para sustentar a proibição, políticos no
Brasil defendem que o sistema público de saúde não suportaria uma possível
legalização...
(Carl)
Provavelmente, é algo estúpido e errado.
Eu realmente não ouço políticos, não são pessoas que devem ser ouvidas nesse
assunto, mas pessoas que têm publicações nessa área, que têm evidências,
informação. Políticos, geralmente, são idiotas e, nem penso neles.
7-Salvador é a cidade com a maior
população negra fora da África. Ainda assim, nunca tivemos um prefeito negro.
Como o sr. vê isso?
(Carl) É algo vergonhoso. Percebo que há muito
poucos negros em posições de liderança. Por conta disso, penso que os negros
daqui deveriam protestar. Deveriam ser educados para dizer: 'Isso é
inaceitável!" Até que as pessoas tenham consciência disso tudo vai
continuar na mesma. Enquanto houver essa falta de inclusão, toda a conta vai
ser creditada às drogas. Há um apartheid silencioso acontecendo aqui.
8- O sr. acredita que o Brasil, assim como
ocorreu com Obama nos Estados Unidos, um dia terá um presidente negro?
(Carl)
Eu não sei se esse deva ser o objetivo primordial do Brasil, por agora. Não
faço ideia. Até porque, se você me perguntasse se eu imaginaria que um dia
haveria um presidente negro nos Estados Unidos, eu diria não. No final, estaria
errado. Não sou muito bom nessas especulações. Penso que a população brasileira
deveria se focar mais na igualdade, na inclusão dos cidadãos no mainstream
(posição de destaque). Assegurar que deve haver mais negros com educação,
moradia, empregos, na classe média. Penso que esse deva ser o foco.
(Entrevista
exclusiva concedida ao site A
TARDE)