OLHAR, VER E PENSAR
Josiany
Dórea
O artigo abaixo nos remete a uma reflexão filosófica
sobre o ver e o olhar aprendendo a pensar sobre a diferença entre ambos. A filósofa
Márcia Tiburi nos proporciona um novo olhar acerca do ver ... A importância de buscarmos
o olhar crítico, reflexivo para as artes, e acredito, para nossa vida
cotidiana, nos dará uma nova proporção para o pensar.
APRENDER A PENSAR É DESCOBRIR O OLHAR
Márcia
Tiburi
A diferença entre ver e olhar é tanto uma distinção
semântica que se torna importante em nossos sofisticados jogos de linguagem
tomados da tarefa de compreender a condição humana – e, nela, especialmente as
artes –, quanto um lugar comum de nossa experiência. Basta pensar um pouco e a
diferença das palavras, uma diferença de significantes, pode revelar uma
diferença em nossos gestos, ações e comportamentos. Nossa cultura visual é
vasta e rica, entretanto, estamos submetidos a um mundo de imagens que muitas
vezes não entendemos e, por isso, podemos dizer que vemos e não vemos, olhamos
e não olhamos. O tema ver-olhar – antigo como a filosofia e a arte – torna- se
cada vez mais fundamental no mundo das artes e estas o território por
excelência de seu exercício. Mas se as artes nos ensinam a ver – olhar, é
porque nos possibilitam camuflagens e ocultamentos. Só podemos ver quando
aprendemos que algo não está à mostra e podemos sabê-lo. Portanto, para ver
olhar, é preciso pensar.


Ver e olhar se complementam, são dois movimentos do
mesmo gesto que envolve sensibilidade e atenção.
O olhar diz-nos que não temos o objeto e, todavia, nos
dispõe no esforço de reconstituí-lo. O olhar nos faz perder o objeto que visto
parecia capturado. Para que reconstituí-lo? Para realmente capturá-lo. Mas essa
captura que se dá no olhar é dialética: perder e reencontrar são os momentos
tensos no jogo da visão. Há, entretanto, ainda outro motivo para buscar
reconstruir o objeto do olhar: para não perder além do objeto, eu mesmo, que
nasço, como sujeito, do objeto que contemplo – construo enquanto contemplo.
Olhar é também uma questão de sobrevivência. Ver, por sua vez, nos liberta de
saber e pode nos libertar de ser.
Se o olhar precisa do pensamento e ver abdica
dele, podemos dizer que o sujeito que olha existe, enquanto que o sujeito que
vê, não necessariamente existe. Penso, logo existo: olho, logo existo. Eis uma
formulação para nosso problema.
Mas
se não existo pelo ver, não estou implicado por ele nem à vida, nem à morte.
Ver nos distancia da morte, olhar nos relaciona a ela. O saber que advém do
olhar é sempre uma informação sobre a morte. A morte é a imagem.
A imagem é,
antes, a morte. Ver não me diz nada sobre a morte, é apenas um primeiro
momento. Ver é um nascimento, é primeiro. O olhar é a ruminação do ver: sua
experiência alongada no tempo e no espaço e que, por isso, nos instaura em
outra consistência de ser. Por isso, nossa cultura hipervisual dirige-se ao
avanço das tecnologias do ver, mas não do olhar. É natural que venhamos a
desenvolver uma relação de mercadoria com os objetos visualizáveis e visíveis.
O olhar implica, de sua parte, o invisível do objeto: a coisa. Ele nos lança na
experiência metafísica. Desarvoramos a perspectiva, perturba-nos. Por isso o
evitamos
Todavia, ainda que a mediação implicada no olhar faça dele um
acontecimento esparso, pois o olhar exige que se passeie na imagem e esse
passear na imagem traça a correspondência ao que não é visto, é o olhar que nos
devolve ao objeto – mas não nos devolve o objeto - não sem antes dar-nos sua
presença angustiada.
O
olhar está, em se tratando do uso filosófico do conceito, ligado à
contemplação, termo que usamos para traduzir a expressão Theorein, o ato do
pensamento de teor contemplativo, ou seja, o pensar que se dá no gesto primeiro
da atenção às coisas até a visão das ideias tal como se vê na filosofia
platônica.

Artigo
originalmente publicado pelo Jornal do Margs, edição 10 (setembro/outubro)/ www.arteescola.org.br.
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